segunda-feira, 13 de maio de 2013

Como caranguejos, artigo de Jairo Pitolé Sant’Ana

Pistola feita com plástico e produzida com uma impressora 3D foi disparada com sucesso pela primeira vez nos Estados Unidos. Foto: BBCBrasil.com


Pistola feita com plástico e produzida com uma impressora 3D foi disparada com sucesso pela primeira vez nos Estados Unidos. Foto: BBCBrasil.com

“Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim. E não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem; pisam as flores, matam nosso cão, e não dizemos nada. Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz, e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada”.
Vladimir Maiakovski, poeta russo
[EcoDebate] A realidade, como a sentem na pele diariamente os bilhões de seres humanos despossuídos, não é nada glamourosa. Guerras, mártires e mutilados não são contos de fada – é a verdade nua e crua que nos acompanha cotidianamente, desde sempre. Em algum ponto da terra, sempre houve e há uma guerra pipocando, um mártir sendo executado ou se imolando e alguém sendo assassinado – rádios, televisões, jornais e Internet nos dão conta disso a cada minuto.
Se a morte não natural (por homicídio, suicídio ou acidental) já se tornou uma banalidade – apenas no Brasil morrem a cada mês cerca de 7.000 pessoas por armas de fogo ou por acidentes de trânsito (quase um quinto da população de uma cidade de meio milhão de habitantes a cada ano) – o futuro não nos reserva um mundo melhor.
Ao contrário, tudo indica que a vida valerá cada vez menos. A tendência é o aumento do número de mortes provocadas em todo o mundo – seja por “assepsia” (guerra bacteriológica ou provocada por robôs controlados remotamente) ou, agora, pela mais recente forma de se produzir uma arma, que, pelo andar da carruagem, em breve se tornará uma medonha nova tecnologia.
Pois bem! Esta nova tecnologia, ainda em experiência, foi divulgada nesta semana. Trata-se de uma pistola feita com plástico e produzida por uma impressora 3D, disparada, com sucesso, pela primeira vez nos Estados Unidos. “Inventada” no Texas, as partes de plástico são projetadas por computador e enviadas à impressora. Somente a agulha, parte do mecanismo de disparo, é de metal.
Enquanto militantes pacifistas – dois grandes ícones foram o afro-americano Martin Luther King Jr e o sul-africano Steve Biko, ambos assassinados – pregam a não violência, o líder do grupo Defense Distributed (responsável pela produção da nova arma), o estudante de Direito da Universidade do Texas, Cody Wilson, 25 anos, defende o porte de armas. Em entrevista à BBC, disse: “(…) Vejo um mundo onde a tecnologia poderá fazer com que você tenha o que você quiser (…)”.
Seu vaticínio tem tudo para se concretizar, já que a fabricação de objetos em uma impressora 3D consiste em juntar camadas de material para construir objetos sólidos complexos. A impressora utilizada para a fabricação do protótipo custou US$ 8 mil (pouco mais de R$ 16 mil) no site do eBay – cara para um cidadão comum, mas barata para qualquer organização criminosa. Como ferramentas iguais a essa vão se barateando na medida em que aumenta sua produção e venda, breve qualquer pessoa, com um mínimo de informação, poderá adquiri-la.
Num momento em que a parte racional dos homens se apega à sustentabilidade como forma de manter o planeta Terra como fonte vida, uma notícia como esta é, convenhamos, um grande desalento. A sustentabilidade não é apenas o respeito às gerações futuras, é também uma tentativa de minimizar as disparidades sociais e econômicas entre os seres humanos. Ao tornar a fabricação de uma arma letal um ato corriqueiro, como tirar a cópia de um documento, a humanidade dá mais um passo de caranguejo. Isto é, caminha para trás.
(*) Jairo Pitolé Sant’Ana é jornalista em Cuiabá (MT) e foi assessor de imprensa do Centro Sebrae de Sustentabilidade – coxipoassessoria@gmail.com
EcoDebate, 10/05/2013

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