segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Monocultivo de soja invade região do Araguaia, no Mato Grosso

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Plantações mecanizadas substituem pastos da pecuária e transformam a região. Com financiamento público, produção é marcada por uso intenso de agrotóxicos
São Félix do Araguaia (MT) – Aos poucos, a região do Araguaia, no nordeste do Mato Grosso, vai sendo toda ocupada pela soja. São plantações mecanizadas e marcadas pelo uso intensivo de veneno se espalhando por áreas onde antes eram pastos e mata nativa nos municípios de Cana Brava do Norte, Confresa, Luciara, Porto Alegre do Norte, Santa Cruz do Xingu, Santa Teresinha e Vila Rica. A expansão foi impulsionada por financiamentos públicos e abertura de estradas e intensificou-se de tal maneira em 2012 que mesmo terrenos de Bom Jesus do Araguaia, considerados inapropriados para esse tipo de lavoura, por serem baixos demais e sujeitos a alagamentos, estão sendo aterrados e cultivados. As lavouras começam na beira da estrada, quase no asfalto, e ocupam planícies inteiras.
Plantação de soja próxima a São Félix do Araguaia, no Mato Grosso. Fotos: Daniel Santini
Toda terra é cobiçada pelos fazendeiros e as plantações chegam aos limites e cercam vilas, cidades, aldeias e terras indígenas. O gado, antes comum na região, passou a ser criado confinado, em pastos cada vez menores, com uso de hormônios que também objetivam aumento de produtividade. “Em Santa Teresinha estão pensando em cortar até as seringueiras para dar lugar à soja”, afirma Cláudia Araújo, agente da Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Porto Alegre do Norte.
A tentativa de fazer a terra render cada vez mais se dá pela utilização de grande volume de agrotóxicos e pelo uso hiperintensivo do solo. Além da safra normal, os produtores aceleram a produção para obter mais colheitas na chamada “safrinha”. Como na época de chuvas os grãos podem apodrecer, muitos utilizam os dessecadores, como são conhecidos os agentes químicos capazes de fazer um campo todo verde amarelar e ficar seco em questão de dias.
Preocupados com os impactos do uso de veneno, moradores de diferentes comunidades da região protocolaram nesta semana um pedido de investigação no Ministério Público Estadual. “Para nós ribeirinhos é uma preocupação grande, o veneno está afetando os rios. Temos visto não só peixes pequenos morrendo, mas até botos, tartarugas, pirarucus e tucunarés”, diz Marionildo Alves da Silva, presidente do sindicato. “A região é plana. Na época da seca, muitos rios ficam parados, a água não se renova e o que temos visto é a morte de peixes. Nunca vimos nada assim. Os aviões pulverizam tudo, até as cabeceiras dos rios”, diz Jorge Ribeiro dos Santos, outro dos moradores que manifestaram a preocupação. “Sou nascido na beira do Araguaia e nunca vi acontecer dessa forma”, completa Agemiro Ferreira dos Santos.
A denúncia coletiva foi feita em encontro durante o seminário “1970-2012: a Luta pela Erradicação do Trabalho Escravo no Brasil”, realizado em São Félix do Araguaia, no Mato Grosso. Os depoimentos foram registrados em vídeo pela Repórter Brasil.
Financiamento público
A expansão da soja recebe amplo incentivo do governo federal. Na última safra, de julho de 2011 a junho de 2012, foram disponibilizados praticamente R$ 4 bilhões (R$ 3,998 bilhões) para custeio, investimento e comercialização da soja na região Centro-Oeste. Os fazendeiros do Mato Grosso estão entre os principais beneficiados pelos financiamentos públicos. No ano passado, o estado foi o terceiro que mais recebeu recursos em programas de financiamento do Banco Nacional para Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Só de crédito rural, os fazendeiros mato-grossenses tiveram acesso a mais de R$ 1 bilhão, para soja e outras culturas. Na frente entre todos os estados, só os do Paraná, que receberam R$ 2 bilhões, e os de Minas Gerais, com R$ 1,2 bilhão. Os dados foram divulgados no final de 2012 pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (clique aqui para baixar documento PDF com todas as informações).
Caminhão com colheitadeira gigante de 17 toneladas atravessa região da Terra Indígena Marãiwatsédé, no Mato GrossoOs gastos públicos para viabilizar tal expansão não se limitam à concessão de crédito direto. Além de financiamentos, o governo investe também na infraestrutura para escoamento da produção crescente de grãos, marcada pelas exportações. A estimativa da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) é que o Brasil se torne o principal exportador de óleo, grão e farelo de soja este ano, aumentando em mais de 50% a produção e ultrapassando os Estados Unidos. Milhões são gastos com abertura de portos e expansão dos existentes, e com a construção e manutenção de estradas. Nas rotas da região os caminhões não param. A carga pesada danifica o asfalto e favorece o aparecimento de crateras nas pistas, forçando o poder público a gastar constantemente com reparos.
“Nunca foi assim, nunca viajamos tanto pelo Araguaia”, conta Maurício Pereira Júlio, motorista da empresa Júlio Simões, que fabrica colheitadeiras mecânicas que chegam a pesar 17 toneladas e valer R$ 700 mil. “Desde novembro, a gente vai e volta, até para locais que a gente nunca ia.”
Caminhão com colheitadeira gigante de 17 toneladas atravessa região da Terra Indígena Marãiwatsédé, no Mato Grosso

EcoDebate, 14/02/2013

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