quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Vale planeja destruir cavernas que guardam evidências das primeiras ocupações humanas na Amazônia


Mineradora ameaça patrimônio pré-histórico – Arqueólogos precisam escalar tortuosos caminhos da floresta tropical, por onde vagam onças e deslizam cobras, para chegar a um dos mais impressionantes sítios da Amazônia: um grupo de cavernas e abrigos de pedras que guardam segredos de seres humanos que viveram ali há mais de 8 mil anos. Reportagem emO Globo, socializada pelo ClippingMP.
Praticamente em qualquer outro lugar do mundo, essas cavernas seriam preservadas como um valioso recurso de conhecimento da história humana pré-histórica. Mas não neste remoto ponto da Amazônia, onde a Vale, a gigante brasileira da mineração, avança na expansão de um dos maiores complexos mineradores de ferro do mundo, um projeto que prevê a destruição de dezenas de cavernas preciosas, de acordo com especialistas.
As cavernas, com sua espetacular riqueza mineral, representam um dilema para o Brasil. A liga de ferro de Carajás, amplamente exportada para a China onde é usada para fazer aço, é crucial para as ambições brasileiras de reanimar uma economia modorrenta. Mas arqueólogos e outros pesquisadores ponderam que a ênfase em ganhos financeiros a curto prazo ameaça destruir janelas para o passado da região.
—Este é um momento crucial para aprendermos sobre a história humana da Amazônia e, por extensão, do povoamento das Américas — afirma o historiador Genival Crescêncio, do Pará. — Deveríamos preservar esse sítio único para a ciência, mas estamos destruindo-o para que os chineses abram novas fábricas de carros.
Especialistas dizem que as grutas de Carajás, que arqueólogos começaram a explorar nos anos 80, oferecem pistas de como foram os primeiros assentamentos humanos na maior floresta tropical do mundo, ajudando a montar o grande quebra-cabeça do povoamento das Américas.
Fragmentos de vasos de cerâmica e instrumentos feitos de ametista e quartzo estão entre os sinais de ocupação humana de milhares de anos de idade. Tais artefatos, junto com uma grande abundância de grutas e abrigos de rocha, tornam Carajás um dos locais mais importantes da Amazônia para o estudo dos povos pré-históricos.
Pesquisadores têm encontrado cada vez mais evidências de que muita gente viveu na região, o que antes era considerado impossível. Achava-se que a Amazônia era incapaz de ter sustentado sociedades grandes e sofisticadas. Mas novas descobertas revelam que a região pode ter abrigado vigorosos centros urbanos antes da chegada de Cristóvão Colombo.
Antes delas, as pessoas moravam nas grutas. Em estudos na caverna de Pedra Pintada, no Pará, similar às de Carajás, a arqueóloga americana Anna C. Roosevelt descobriu que caçadores-coletores já ocupavam a região de 10.900 a 11.200 anos atrás, na mesma época em que os americanos do norte estavam caçando mamutes, muito antes do que se imaginava.
Para alcançar as grutas de Carajás, pesquisadores precisam dirigir por horas em estradas esburacadas que cortam a floresta, antes de escalar escarpas das Montanhas Carajás, picos que se elevam sobre a mata. Araras voam sobre suas cabeças e morcegos circulam dentro das cavernas nas quais tribos encontravam abrigo.
A Vale diz que planeja criar 30 mil empregos com a expansão da mineração de liga de ferro em Carajás, um projeto de US$ 20 bilhões chamado Serra Sul, que já atrai milhares de migrantes para essa remota parte da Amazônia.
Para cumprir a legislação sobre sítios arqueológicos, os executivos da Vale dizem que a empresa contratou arqueólogos e espeleólogos para pesquisar as grutas — agrupadas ao redor da abertura da mina. A Vale adaptou a proposta de construção para preservar algumas das grutas. Embora a empresa reconheça que pelo menos 24 das grutas a serem destruídas são de “alta relevância” a Vale diz que pretende preservar cavernas em outra parte do Pará para compensar a perda. •
EcoDebate, 19/12/2012

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