quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Os problemas causados pelo desperdício do alimento, artigo de Priscila Salvino



desperdício do alimento[EcoDebate] Recentemente, escrevi um artigo sobre a dificuldade de acesso ao alimento saudável que hoje enfrentamos aqui no Reino Unido e no mundo em geral. Essa questão se torna mais grave, quando nos deparamos com a problemática do desperdício de alimentos. A todo momento, toneladas de alimentos saudáveis vão parar no lixo. Como isso é possível, quando temos milhares de pessoas famintas e que enfrentam dificuldades no acesso ao alimento? O que esse desperdício representa em termos sociais, ambientais e econômicos?
Todos os anos, no Reino Unido, 18 milhões de toneladas de alimentos comestíveis vão parar em aterros sanitários, o que representa um valor anual de 23 bilhões de libras. Aproximadamente, um terço desses 18 milhões de toneladas é proveniente da produção, um terço da comercialização e um terço é proveniente do lixo doméstico, ou seja, dos próprios consumidores. 60% do lixo doméstico descartado poderiam ser consumidos. Os britânicos ainda perdem cerca de um quinto de todos os alimentos comprados. A quantidade de lixo orgânico custa £680 libras por ano ou £50 libras por mês para uma família média com crianças. A palavra lixo, aqui, pode causar alguma confusão, se percebemos lixo como aquilo que não presta mais. Portanto, a expressão ‘resíduos orgânicos’ é mais adequada, pois estes englobam alimentos que não podem mais ser consumidos e alimentos que ainda poderiam ser mas foram descartados em perfeito estado para consumo humano.
Esses dados tornam-se surreais quando, aqui no Reino Unido, segundo uma recente pesquisa, descobriu-se que em cada escola britânica temos duas crianças famintas. Esses números representam um milhão de crianças famintas nas ruas britânicas. Para ter-se uma idéia concreta da problemática do desperdício de alimentos, todos os dias, aqui, são descartados 1.6 milhão de bananas inteiras e intocadas; 1.3 milhão de iogurtes fechados; 600.000 ovos inteiros; 1.2 milhão de salsichas intocadas; 20 milhões de fatias de pão; 860 mil toneladas de legumes frescos e saladas (o que representa £1,4 bilhões de libras); 500.000 toneladas de artigos para preparar massas, como farinha; 660.000 toneladas de refeições caseiras e pré-preparados, representando £2,1 bilhões de libras; £280 milhões de libras no valor correspondente ao leite jogado fora e £190 milhões de libras no valor de sucos de frutas. Esses são alguns exemplos de alimentos saudáveis, pois estão incluídos nessa lista sem fim os alimentos enlatados, refrigerantes, doces, etc.
Uma pesquisa realizada pela WRAP, organização social de visibilidade nacional, que trabalha com projetos de prevenção de resíduos, mostrou que nos últimos três anos, a quantidade de resíduos orgânicos domésticos diminuiu 13% (a estimativa dessa análise é feita com base na quantidade de lixo orgânico descartado por cada residência). Contudo, devemos considerar que essa queda sofreu uma influência da crise econômica. Para termos uma idéia dos números apresentados pela WRAP, em 2006/2007, a quantidade de resíduos orgânicos domésticos dispensados enchia 10 estádios de futebol. Na última pesquisa, esse numero baixou para nove. Essa redução representou para as subprefeituras uma economia de £80 milhões de libras por ano, isso porque as subprefeituras pagam uma taxa altíssima por tonelada de resíduo destinado aos aterros sanitários. Com a diminuição de resíduos orgânicos, menos toneladas de resíduos urbanos foram parar nos aterros. Porem, durante esses anos, devido a políticas públicas de gestão de resíduos e reciclagem, mais materiais são reciclados, inclusive os resíduos orgânicos. O que antes era destinado ao aterro, hoje se transforma em adubo para os parques das cidades.
Economia a parte, no tocante ao impacto ambiental proveniente do descarte de resíduos orgânicos, um novo estudo realizado pela WWF em pareceria com a WRAP, lançado no começo desse ano, mostrou que o resíduo orgânico contribui com 3% das emissões nacionais de gases de efeito estufa. Além disso, o relatório constatou que a quantidade de água necessária para produzir alimentos, que são desperdiçados, corresponde a 6.2 bilhões de metros cúbicos, ou o equivalente a 6% da água que o Reino Unido necessita para abastecer sua indústria ou agricultura. Mais de 5% da água utilizada no Reino Unido é desperdiçada na forma de restos de comida.
Desperdiçamos o dobro da água que necessitamos, somente através da água utilizada para lavar os alimentos e preparar as refeições que serão descartadas. O quadro ainda e pior se considerarmos que a maioria dos alimentos consumidos no Reino Unido vem de países que sofrem com a escassez de água é escassa, ou seja, os alimentos que descartamos têm um impacto “oculto” no esgotamento dos valiosos recursos hídricos desses países. Ativistas ambientais vêm pedindo mais atenção para o desperdício da água “oculta” ou “incorporada” na produção de alimentos que são descartados, representando também um custo “escondido” sobre as exportações.
Hoje, devido as mudanças climáticas, mais países sofrem com a escassez de água e as exportações podem ainda esgotar seus recursos naturais e causar problemas ambientais como a salinização, causando a inutilização da terra já que a mesma torna-se imprópria para o cultivo. Gera também a elevação do preço da água, atingindo, principalmente os consumidores mais pobres. Estes números são surpreendentes e muito embora as emissões de gases de efeito estufa têm sido amplamente discutidas, a água utilizada para a produção de alimentos e bebidas desperdiçada, ate recentemente, vinha sendo ignorada.
No entanto, a crescente preocupação, com a disponibilidade de água no Reino Unido e a segurança do abastecimento de alimentos, significa ser vital entendermos as conexões entre o desperdício de alimentos, água e mudanças climáticas. De acordo com o relatório da WWF, essas quantidades estão diminuindo. Essa queda e resultado das políticas públicas de gestão de resíduos e reciclagem, além de fortes campanhas sociais que informam os consumidores sobre seus hábitos alimentares e os problemas ambientais que eles geram.
Contudo, somos nós consumidores que podemos fazer uma pequena, mas muito significativa, contribuição, evitando o desperdício do alimento e da água necessários para a sobrevivência de todos os seres que habitam o Planeta Terra.
Priscila Salvino, advogada e consultora ambiental, é colaboradora internacional do EcoDebate.
www.priscilasalvino.com
https://www.facebook.com/pages/magazineverde/158475694174258
EcoDebate, 25/09/2012

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