segunda-feira, 16 de julho de 2012

Os fractais e a compreensão da natureza, artigo de Roberto Naime

igura 1: A poeira de Cantor em uma visão tridimensional


Figura 1: A poeira de Cantor em uma visão tridimensional (Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/7/78/Cantors_cube.jpg )
[EcoDebate] Princípios de comprovação real na biologia ou na geologia, e que interagem entre si e dificultam interpretações lineares, podem ser citados: as propriedades emergentes, a lei dos mínimos de Liebig, as transições de contato entre rochas, que podem ser muito bruscas ou muito suavemente gradacionais e outros.
Partindo quase de “charadas” matemáticas, o cientista Benoit Mandelbrot começou a raciocinar mentalmente sobre situações naturais. Ele começou com a teoria dos conjuntos de Cantor, assim denominada em homenagem ao seu descobridor, o matemático Georg Cantor.
Para fazer um conjunto de Cantor, começamos com um intervalo entre 0 e 1, representado por um segmento de reta. Eliminamos então o terço médio. Isto resulta em dois segmentos. Novamente retiramos o terço médio e assim sucessivamente. O resultado é uma estranha poeira de pontos, que obedece a um padrão não linear (Figura 1).
Na época Mandelbrot trabalhava em “ruídos” que interferiam na transmissão de dados para os computadores da IBM. Ele pensava nos erros de transmissão como uma espécie de conjunto de Cantor disposto no tempo. No entanto ele logo entendeu que os padrões apresentados indicavam que os ruídos nas transmissões de dados jamais seriam explicados com base em acontecimentos locais específicos.
Então ele se inspirou nos dados de cheias do rio Nilo, pois os egípcios mantém há milênios registros das enchentes do rio Nilo. Este rio sofre variações exepcionais, subindo muito em alguns anos e baixando em outros. Mandelbrot propôs dois efeitos com base em estudos sobre estes fenômenos.
Denominou de “efeito Noé” a descontinuidade: quando uma quantidade se altera, pode se modificar de uma maneira muito rápida, como um dilúvio. Os economistas baseados nas variações de quantidades e nas leis de oferta e procura, imaginaram sempre que os preços das mercadorias sobem ou descem com certa suavidade, sem saltos, no sentido de que passam por todos os níveis intermediários entre um ponto e outro. Mas muitas vezes isto não ocorre. Os preços podem variar em saltos instantâneos. Porque entra um fator volitivo, da vontade humana, mas que ocorre nos seres vivos em geral, a expectativa.
Mandelbrot denominou de “efeito José” a persistência dos dados. Pela análise de dados históricos ele observou que as cheias e as secas do rio persistem. Apesar de uma aleatoriedade subjacente, quanto mais prolongada a seca, mais longa a mesma tende a se tornar. O mesmo ocorre com as cheias quando analilsadas em sequências históricas. Os efeitos Noé e José pressionam em diferentes direções, mas se resumem nisto: as natureza tem tendências, e elas são reais, mas sempre transitórias.
As descontinuidades em geologia são bem conhecidas. Tendem a ser contatos abruptos entre rochas ou contatos transicionais. Neste sentido guardam extrema similaridade com as propostas de Mandelbrot. E de certa forma guardam analogias com os ruídos que ocorrem nas transmissões de dados ou na abstração de Cantor.
Fenômenos como estes não eram mencionados na geometria dos últimos milênios. As formas geométricas clássicas são o ponto, as linhas, os planos, os círculos, as esferas, os triângulos e cones. Estas imagens representam significativas abstrações da realidade e inspiraram no decorrer da história relevantes pensamentos epistemológicos como as harmonias platônicas.
Artistas de todos os tempos, como Leonardo da Vinci reconheceram nesta harmonia, abstrações da beleza ideal, os astrônomos ptolomaicos construíram a partir desta harmonia modelos de universo. Porém, para compreender a complexidade, estas formas se revelam um tipo inadequado de concepção. Vide o conflito interno vividos por Newton ou Kepler, ao verificar o paradoxo entre seus achados sobre as leis de gravitação e suas concepções católicas de origem e organização da natureza.
Em muitos aspectos o conceito geral de epistemologia nos vários campos científicos desde os gregos até o século XX esteve em muito arrestado pela formação de cunho moral, político, econômico religioso ou social, que vão contra ou se assombram facilmente com a areia movediça que representa qualquer concepção não linear ou não cartesiana de construção do conhecimento.
As nuvens não são esferas. As montanhas não são cones ou quadrados. Os relâmpagos não percorrem linhas retas. A geometria da natureza não é como os geômetras clássicos construíram. A geometria da natureza espelha um universo que não é regular. Existem reentrâncias, depressões, fragmentos, irregularidades, formas torcidas e entrelaçadas.
Estas formas irregulares não são imperfeições das formas clássicas. Significam geometrias relevantes que se encontram muito mais próximas da essência dos fenômenos, processos e objetos naturais do que qualquer forma harmoniosa da geometria clássica.
Mandelbrot tomou contato com a questão da linha litorânea da Grã Bretanha. Observou que a forma da agrimensura clássica respondia com aproximações muito próximas da realidade, mas não conseguia esgotar a medida. Tudo depende de quanto é a distância mínima que o agrimensor arbitra para si próprio como distância mínima a considerar. Quanto menor for esta arbitragem, mais próximo da realidade será a medida. A observação do litoral a partir de imagens de satélite obterá resultados mais exatos. Uma medição de campo ainda será mais precisa. Isto tudo leva a discussão da relação entre observador e objeto, que é a questão básica da ciência até hoje.
Se o litoral fosse uma medida euclidiana, como um círculo, a soma de retas com extensão cada vez menores tenderia a uma precisão que tende ao infinito. Todavia, a medida que proporção da escala de medição for menor, a extensão medida de litoral aumenta ilimitadamente. Baias e penínsulas revelam sub-baías e penínsulas cada vez menores, num processo infinito, quase sem conclusão. A Figura 2 exibe este litoral “fractal”.
Figura 2: Litoral da Baía de Hudson, em uma visão fractal (a) ou real (b) gerado por computador, com detalhes aleatórios, mas a dimensão fractal é constante, de forma que o grau de irregularidade é similar, independente da ampliação da imagem. (Fonte: http://www.ipod.org.uk/reality/reality_mathematical_universe.asp)
No distante ano de 1975, Mandelbrot achou que precisava de um nome para estas formas geométricas diferentes. O filho do cientista estava chegando da escola e por algum motivo ele folheou o dicionário de latim dele. Encontrou o adjetivo fractus do verbo frangere (quebrar, fraturar) que logo associou com os cognatos ingleses fracture e fraction. Isto lhe pareceu adequado e ele criou o neologismo fractal.
Evidentemente que retornamos a questão básica da ciência desde os primórdios da Grécia clássica. Tudo depende da relação entre observador e objeto observado. Desta forma, o fractal, mais do que representar qualquer imprecisão natural, representa uma nova ideia sobre o problema das dimensões. A dimensão fracionada torna-se uma maneira de medir propriedades geométricas (e depois naturais, econômicas ou de diversas naturezas) que precisam previamente desta definição: grau de aspereza ou de fragmentação.
Para a imaginação, um fractal é uma maneira didática de ver o infinito. Holisticamente, mas sempre através da influência de Mandelbrot, ou seja de um ponto de vista inicialmente e sempre geométrico. Cabe destacar que não estamos advogando que o padrão de (des)ordem da natureza seja pautado pela geometria inspiradora de Mandelbrot. É claro que não é. Mas o que se busca conceber e transmitir é que claramente a natureza tem um padrão na sua aparente desordem. Tem um padrão e uma estabilidade homeostática. E que em alguns casos este padrão é representado pela geometria inspiradora de Mandelbrot. Outras vezes pode ser configurado nos sistemas complexos de equações de Robert May. E outras vezes o padrão existe, mas não consegue ser representado nem através de novas geometrias, nem através de sistemas complexos de equações não-lineares. Mas nem por isso deixa de existir, e principalmente de ser regular e homeostático, apesar da sua aparente irregularidade.
GLEICK, J. Caos A criação de uma nova ciência. Rio de Janeiro. Editora Campus 1989, 312p.
Dr. Roberto Naime, Colunista do EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.
EcoDebate, 16/07/2012

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